Basta que seja um refrão em Espanhol.
Publicado; 20/09/2016 Arquivado em: Música | Tags: Francisco El Hombre, Guilherme Inhesta, Gustavo Cerati, Latin Rock, Rock Latino, Soda Stereo Deixe um comentárioPor: Guilherme Inhesta (A.K.A. Desenho)
Nesses dias de divergências políticas é impossível esquecer certos ícones latino-americanos que influenciaram nossa cultura tupiniquim como Che, Bolivar, Allende e Mujica. Mas sempre me perguntei sobre a musica de nossos vizinhos, não conhecemos praticamente nada. Na radio e no inconsciente coletivo passam Shakira e Juanez e lá se vão decadas de pop latino sem que nenhum tivesse fincado a nau em nosso litoral musical.
Mas nem tudo esta perdido.
Existe uma banda chamada Francisco El Hombre que vem realizando a proeza de cantar em espanhol e pasmem, fazer com que seu publico cante o seu refrão em espanhol o que para o que vos fala é um deleite.
A banda faz uma fusão de ritmos latinos como Cumbia, Mambo e até mesmo Bolero com o Rock. Lembra-me muito o Los Fabulosos Cadillacs, uma grande banda argentina ainda em atividade.
O que mais me incomoda em relação ao total desconhecimento da música de meus vizinhos é o Soda Stereo. A banda de Buenos Aires é simplesmente a banda de Rock de maior sucesso na America Latina. Para se ter uma idéia eles venderam mais ingressos que o Rolling Stones na Argentina!
Sua obra é recheada de boas composições e uma interessante evolução musical. Foram do New Wave de seus primeiros álbuns até o Grunge dos anos 90. Gustavo Cerati, o vocalista e mentor do Soda tem uma obra solo interessantíssima que captura o Rock/Pop praticado pelo Soda mas adicionado a elementos eletrônicos e até mesmo sinfônicos.
Infelizmente nunca tive a chance de ver nem Gustavo e nem o Soda ao vivo, o que me deixa triste, pois aprendi muito da língua de nossos vizinhos cantando junto com eles. Em uma viagem ao Paraguai vi uma imagem que me deixou emocionado, vi um muro pichado com um trecho da minha letra predileta do trio portenho, a canção Trátame Suavemente:
“No quiero soñar mil veces las mismas cosas
ni contemplarlas sabiamente
quiero que me trates suavemente”
Gustavo nos deixou em 2014, após ficar anos em coma depois de sofrer um AVC em pleno show. Os outros membros Zeta Bosio, baixista da banda, ainda trabalha com música sendo um DJ de live set, produz bandas e é jurado de um show de talentos da TV aberta de Buenos Aires. Carlos Alberto Ficicchia, o baterista é um gênio da internet e segue com a banda Mole, que indicamos como boa opção para uma tarde de sábado.
Gustavo dizia que o amor é uma ponte, quem sabe eu possa com estas palavras mal distribuídas e confusas, criar uma ponte para que você escute um pouco mais do idioma de Cervantes, ou de Borges. Afinal acredito também que devemos usar al amor como un puente.
Nick Cave – Sobre mágica e perda
Publicado; 16/09/2016 Arquivado em: Música | Tags: Bestof2016, Indie Rock, Nick Cave, Nick Cave & The Bad Seeds, Skeleton Tree Deixe um comentário
Nick Cave & The Bad Seeds está com disco novo na praça.
Isso já seria, em tempos atuais, com o tal “indie” caminhando a passos largos para a extinção completa de seus mananciais de criatividade em quase todos as esferas, uma excelente noticia.
Nunca se espera um disco médio ou morno deles, e de vez em quando alguns superaram o patamar do espetacular como The Boatman’s Call, de 1997, álbum que na época passou batido por muitos ouvidos e críticos, mas foi um jeito lindo de traduzir a fossa e a tristeza de seu rompimento amoroso com a cantora Pj Harvey em um pop barroco.
Como fã, acho que seu ponto alto no lirismo culpado-cristão com sons de cabaret beira do fim do mundo previsto no “Bom Livro”, onde demônios parecem tomar corpo e forma, se apossar de notas e acordes e desabar sob as cabeças dos homens e mulheres de todas as eras ainda são os álbuns Tender Prey e From Here To Eternity, feitos nos anos 80 e que retratavam um Cave face a face com a sombra de sua morte, caminhando sob uma navalha que por muito pouco não o levou dali mesmo para os braços do Senhor.
Passado esse inferno, Cave passou as décadas seguintes catalizando essas experiências em álbuns poderosos, socando o rosto da mesmice e brindado o público com uma incrível variação de potencia que variava de acordo com seus estados de espirito.
Tudo ia bem até que uma nova tragédia caisse no colo da família Cave. Seu filho Arthur, de 15 anos morre em um acidente em julho de 2015.
Passado mais de um ano e ainda com essa dor terrível em seus ombros e de seu família, Cave resolve exorciza-la em forma de disco e assim nasceu Skeleton Tree, talvez o réquiem sobre perda pessoal mais triste e soturno que já ouvi.
Até esse álbum ser lançado, acho que só Lou Reed havia produzido arte suprema usando dessa substancia inevitável, delicada e terrível chamada morte em seu álbum de 1992 chamado Magic And Loss.
Se a vida é uma jornada em busca de conhecimento, evolução e felicidade, é preciso lembrar que o fim dessa jornada é o mesmo para todos. A morte chega implacável e certeira e numa vida longa, perdemos tanto quanto ganhamos e Cave trata dessas perdas de um modo delicado como talvez nenhum outro artista dentro do gênero o fez até então.
Skeleton é lento, mas um falso lento. O arrebatamento se dá em picos, enquanto a cama conduzida ao piano, leva o disco todo.
Canções como I Need You e Distant Sky procuram confortar ao mesmo tempo que as lagrimas caem pelo rosto.
Skeleton Tree, a faixa titulo que encerra o álbum lembra o barroco Boatman’s Call, (seu disco de fossa).
Jesus Alone, faixa que abre o disco parece a sonorização de um arrastar por entre os corredores da saída do luto, quando a dor já está menor mas ainda aguda.
Nick Cave sempre transformou a dor em grandes canções e com esse acidentado e triste novo álbum, o luto ganhou outro significado.
Se da tristeza mais profunda nasceu um disco tão dolorido e ao mesmo tão bonito, ficamos nós, como meros ouvintes e admiradores numa situação paradoxal diante da beleza fúnebre de uma obra tão poderosa como Skeleton Tree, pois, mesmo sabendo da força motriz por trás do álbum não nos furtamos do prazer e da comovente experiência de ser arrebatado por uma obra-prima arrancada de entranhas machucadas com tamanha sinceridade e urgência que nos faz testemunhas de um raro evento em tempos tão sombrios e ao mesmo tempo tão fortuitos.
Cave entrega algo enorme para a posteridade, assim como David Bowie o fez no começo do ano com seu crepuscular Blackstar, 2016 será lembrado por esses dois álbuns-eventos isolados que falam do fim e da morte e nos trazem algo maior e quase não mundano.